segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Ainda...


Quando eu decidi fazer doutorado em 2006, não esperava que minha vida desse tantas voltas em quatro anos. Em termos acadêmicos, eu me empenhei em tornar a minha experiência como pesquisadora mais completa e me aventurei pelo velho mundo. Em termos pessoais, eu também mudei (e como)! Busquei novos destinos, troquei de endereço algumas vezes e retornei para a casa dos meus pais no último ano do doutorado.

Já de volta ao Brasil e concentrada na redação tese, eu tive que me acostumar às questões com "ainda". Essas questões são muito frequentes em ambientes sociais, sobretudo nas festas familiares e nos reencontros com ex-colegas. Após uma rápida saudação, as próximas perguntas, motivadas pela incontrolável curiosidade humana, normalmente são: você ainda não está trabalhando? Você ainda mora com seus pais? Você ainda não tem um carro? Você ainda não casou? A resposta é a mesma: AINDA NÃO. Tive a sorte de não trabalhar por quatro anos (já que dar aulas não é trabalho). Ainda moro com meus pais e divido o carro com a minha mãe, o que representa uma economia considerável no orçamento. Meu estado civil é solteira e, pelo que acompanho das histórias de algumas amigas, muita calma quando o assunto é casamento.

Diante do visível desapontamento dos meus parentes e amigos, me questiono por que a linearidade das fases sociais é tão relevante para algumas pessoas. Na visão de alguns, é impossível ser realizado e feliz fora desse ciclo de vida social. Lamentável... A vida é imprevisível demais para estar associada a ciclos. Cada pessoa trilha seu próprio caminho com encontros e despedidas imprevisíveis.

Eu já conquistei algumas coisas, mas "ainda não" realizei outras tantas. Novos sonhos e desejos não param de surgir. O tempo passa e espero, um dia, compartilhar com os meus netos algumas dessas histórias e instigá-los a seguir o caminho improvável do coração. Então, parafraseando Pablo Neruda, no compasso e fora dele, eu direi: "Confesso que vivi..."

“Talvez não tenha vivido em mim mesmo, talvez tenha vivido a vida dos outros. / Do que deixei escrito nestas páginas se desprenderão sempre – como nos arvoredos de outono e como no tempo das vinhas – as folhas amarelas que vão morrer e as uvas que reviverão no vinho sagrado. / Minha vida é uma vida feita de todas as vidas: as vidas do poeta.”
Pablo Neruda

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Degustação...



A mesa de sobremesas estava repleta de delícias. Crème brûlée, tartaletes, brownies, trufas, frutas carameladas, macarons. Era difícil escolher. Se eu pudesse, devoraria todos aqueles belos docinhos! Enquanto eu mergulhava num mar de dúvidas gastronômicas, ele, que observava atentamente o meu olhar indeciso, me disse:

- Pegue um pedacinho de cada, pois cada qual tem seu sabor.

A pitada de malícia daquela afirmação hedonista, me fez pensar. 
De fato, o que me impedia de fazer uma deliciosa degustação de docinhos, além da consciência da minha gourmandise?
Provar um pedacinho de cada me proporcionaria a descoberta de novos sabores e das minhas preferências. Assim, eu iniciei a minha degustação. Logo percebi que o segredo era não tentar adaptar o doce ao meu próprio paladar, mas tentar identificar o sabor especial que cada um apresentava e apreciá-lo lentamente. 
Pode ser um chocolate com pimenta. Por vezes, uma mistura sutil de sabores tão distintos é interessante. Nada muito adocicado. Nada muito ácido. Nada muito pesado. 

Sigo degustando... Quero apenas descobrir o 'docinho' que suscite em mim o desejo de um pedacinho mais.  

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Sentimentos não se organizam!

(Pelas ruas de San Telmo, Buenos Aires)


Sentimentos não se organizam. A frase ressoou na minha mente como os sinos estridentes da igreja de uma pequena cidade. De fato, a “administração” como ciência, por vezes, se torna uma erva daninha para mim. Ela extrapola o âmbito profissional e penetra nas mais diferentes esferas da minha vida. Eu me percebo presa aos princípios clássicos de Henry Fayol: PODC - Planejar, Organizar, Dirigir e Controlar. Contudo, nem sempre é possível administrar a vida com os mesmos princípios que se administra uma empresa. Reconheço essa limitação do meu campo de estudo e admito que a vida é muito mais complexa.
Concordo, sentimentos não podem ser administrados. Eles não são planejados. A beleza está na espontaneidade. Também não podem ser organizados em pastas por ordem alfabética. Muito menos, dirigidos de maneira lógica ou controlados pela lei do custo-benefício.
Os sentimentos são inexplicáveis. Eles nos invadem sem aviso prévio e não nos abandonam pela nossa própria vontade. São soldados persistentes. Por vezes, lutamos contra eles. Tentamos nos convencer de que devem ser ignorados. Travamos uma profunda guerra interior entre razão e sensibilidade. Até finalmente, entregarmos os pontos. Nos permitimos simplesmente sentir.
Não adianta complicar. O melhor é tentar entender a simplicidade dos ingredientes de cada sentimento. Para mim, o amor é uma química de afinidades, respeito mútuo, carinho e companheirismo. Por vezes, saí faísca. A mistura entra em erupção. As pessoas mudam. Por isso, é preciso calma. Esse caminho nem sempre é fácil, pois envolve autoconhecimento e compreensão do próximo. Ele não pode ser organizado, controlado, dirigido. Conduzir ou deixar-se conduzir? Sim... somente ao som de um belo tango.


Dos gardenias para ti
Con ellas quiero decir:
Te quiero, te adoro, mi vida
Ponles toda tu atención
Que seran tu corazón y el mio

http://www.youtube.com/watch?v=rublV5LQ5Ds

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Retoques?

(Sem retoques, Imbassaí, BA, Brasil)

Poucos dias atrás tirei algumas fotos 3x4 recentes como parte do processo da minha contratação. Eu detesto minhas fotos 3x4, mas as exigências do RH não se discute. Então, lá fui eu. Para incentivar os pequenos empreendimentos, eu optei por um clássico estúdio fotográfico no centro de Porto Alegre. Com orgulho, o fotógrafo expõe o seu trabalho e fotos de alguns dos seus clientes famosos, entre eles, Leonel Brizola.

Perguntei o preço. Honesto. Reforcei a maquiagem para disfaçar a oleosidade da pele nesses dias insuportáveis de verão e me posicionei. Levanta aqui, abaixa ali, mantenha os olhos abertos e uma fisionomia indiferente (nem triste, nem feliz). Um, dois, três cliques. Pronto! Escolhi a que me achei mais "simpática" e aguardei a revelação.

Nesse momento, ele me questionou:
- Com ou sem retoque?
De fato, o photoshop invadiu os estúdios fotográficos. Até mesmo os mais simples estabelecimentos escondidos no centro das grandes cidades. Seria correto entregar fotografias retocadas para o RH? Não me lembrei de nenhuma regra que proibisse os "retoques". Refleti por um momento e pensei: por que não?
- Pode retocar, por favor!

Confesso que me rendi a essa inovação tecnológica que solucionou o problema das fotos para documentos. Pele sem brilho e lisinha. Cabelos alinhados. Voltei a ter 25 anos. Incrível. É provável que a pessoa do RH não acredite que já conclui o doutorado, pois me achará "muito jovem". Risos. Diante do resultado final, fiz as pazes com as fotos 3x4, desde que retocadas. Afinal, todo mundo merece uma leve retocada um vez que outra.